quinta-feira, 19 de novembro de 2009

UM CONTO SOBRE WATERLOO

“O que dizer sobre mim se vivo para contar a história de um outro?!”

(Christian Tale)



Deixando de lado os convencionalismos do “Era uma vez...”, gostaria de contar-lhe uma história, algo que só o imaginário de uma criança poderia compreender, uma história de lances mágicos e místicos, mistérios só vistos em Poe, não tão cabreiros quanto, mas Alice talvez não sobrevivesse a um mundo tão pouco colorido...Eu sou Christian Tale, e essa é primeira vez que descrevo em documento legível as minhas quase não cridas verdades, espero não ser rude em tão pouco tempo em que nos conhecemos, mas preciso começar...

Há algum tempo atrás, entre a rua dos Tortos e a dos Corcundas, havia uma casa pouco visitada, espremida entre dois edifícios de porte maior, onde vivia Margareth, uma jovenzinha com cerca de 14 anos de idade, seu irmão Thomas e sua mãe Rosa. O que torna essa família especial para ser contada?! Esse é o grande truque da história, tanto Margareth, quanto seu irmão e mãe, não têm absolutamente nada de especial, muito pelo contrário, são todos seres sem aspectos interessantes, pouco visuais.

A nossa jovem protagonista veste-se tipicamente como as de sua idade, roupas que falando sinceramente não combinam em nada, saias pretas e colegiais, uma camisa vermelha com alguns detalhes em rosa, Margareth definitivamente não sabia como se vestir de forma adequada, e não digo isso por ser moralista, mas sua saia mostrava até sua roupa íntima, com aquelas rendinhas de menina...e dizia-se adulta, odiava que chamassem-la criança.

Certo dia durante uma de suas longas conversas com Agatha, uma amiga daquelas que se conta tudo, esteve dizendo mal de sua mãe, uma garota cuja idade mal lhe pesa, falando mal da mãe para uma fedelha como ela...

_ Não suporto mais! - dizia em tons asquerosos enquanto virava os olhos de maneira irritante e fresca – Minha mãe não me entende, Agatha, disse a ela que precisava de sapatos novos e sabe o que ela me respondeu?

_ “Ora Margareth, os sapatos que estão em seus pés estão perfeitamente bons” – imitava-a a amiga com a mão na cintura e tentando fazer um ar de mãe.

Margareth rosnava como um cão raivoso ao telefone, mas logo após a imitação se vê obrigada a rir, não suportava a mãe, mas por outro lado Agatha sempre encontrava um jeito de mudar seu humor mesmo nos piores momentos, ao menos era nisso que acreditava.

Você pode estar se perguntando o que há de diferente nessa história, e eu digo que a diferença está exatamente entre seus olhos, no que chamamos de debaixo do nariz. Até agora mostrei-vos uma Margareth em horário comercial, a garota que tem uma amiga e uma família como qualquer outra, mas há muito mais entre aqueles dois edifícios do que se possa imaginar.

A rua dos Tortos sempre foi conhecida por seu pouco movimento, chamavam-la “rua dos Tontos”, isso porque exatamente naquela casa, onde hoje vive a nossa irritante protagonista, viveu uma garota chamada Moly, Moly era muito menos arrogante que Margareth, tinha hábitos domésticos como uma boa menina, no entanto uma estranha marca em seu pescoço chamava a atenção das outras crianças, que por sua vez tinham medo ou asco de sua aproximação, então por vergonha de sair e mostrar-se, adotou um cachecol como forma de esconder aquilo que causava-lhe constrangimento. Mas infelizmente as crianças são mais cruéis do que parecem, e em pouco tempo o que se tornara alívio, foi motivo para chacota, afinal, quem agüentaria passar o verão inteiro de cachecol?! Passaram a chamá-la Moly, a Tonta da Tontos, e assim foi apelidada por toda sua vida. O estranho é que no dia em que faria 15 anos, Moly desapareceu. Alguns dizem que ela fugiu de casa, outros que talvez tenha se perdido, o fato é que nunca mais a viram.

Coincidentemente amanhã seria o aniversário de 15 anos de Margareth, não estou dizendo que algo possa acontecer a alguém como ela, afinal, as histórias não batiam, quisera a mãe da nossa pequena asquerosa que ela fosse algo parecida com Moly, mas antes de seguir, podemos dar uma pausa e falarmos sobre o contexto biográfico de Margareth nesse momento...

Era verão, e algumas mudanças afetavam a vida de nossa pequena, que apesar de viscosamente irritante, se portava com alguma educação no colégio onde estudava, e não diferente das meninas de sua idade, ela tinha seus olhos infantilmente maquiados voltados para seu dito “príncipe encantado”, seu nome era Lovelace, um garoto que se viesse a escola montado em um cavalo branco, receberia uma coroa ao invés de um chapéu de formatura. Era claro o interesse que praticamente um terço das garotas da escola tinha por ele. Alto, de aparência agradável, olhos claros, e o principal, formando do ensino regular, e dono de um convite em aberto para o baile dos formandos. Margareth suspirava a cada passo de Lovelace próximo de si, e não havia nada que ela quisesse mais do que aquele convite.

Foi quando ao desligar o telefone se deparou com a decisão que mudaria seu destino à distancia de um toque de campainha...

Uma caixa de aspecto medieval fora deixada a sua porta, ao olhar para os lados procurando encontrar quem a teria deixado nada encontra, apenas folhas secas recém caídas das árvores passeiam pela rua, mas ao passar a mão por sobre a tampa da caixa uma inscrição singular lhe chamara atenção, dizia: “A Tonta da Tontos”. Com estranhamento e admiração, Margareth repetiu aquelas palavras, e magicamente a caixa se abriu. Espevitadamente curiosa, ela tornou a fechá-la temendo ser descoberta pela mãe que sem dúvida a repreenderia, e subiu correndo a seu quarto afim de bisbilhotar seu conteúdo misterioso.

Não tinha idéia da existência de Moly, a inscrição não fazia o menor dos sentidos para ela, mas a apresentação bela e diferente do objeto, além de todo o mistério por trás detrás, era um grande chamariz aos seus olhos, a noção do proibido e exclusivo também fazia com que seus olhos se enchessem. Mas quando finalmente retiraria a tampa para ver, seu irmão aparece na porta.

_Mag, mamãe está chamando, o almoço está na mesa.

_Rrrrrr...que droga Thomas, quantas vezes já lhe disse que batesse na porta antes de entrar?!

Então descera resmungando e batendo com os pés na madeira da escada, o objeto já tão estimado e precioso fora deixado debaixo da cama, ainda fechado enquanto almoçavam. Não demoraria muito a terminar, seu prato não tinha mais do que três folhas de alface e duas rodelas de tomate, o arroz passara longe daquela cerâmica, o feijão já não sabia seu endereço há um bom tempo, sua mãe reclamava de sua péssima alimentação, mas necessitava manter-se, era o que dizia. Não era feia, seus olhos puxavam para um mel esverdeado incrivelmente dócil, era o que a enobrecia, além de seus cabelos encaracolados de um castanho médio, nem claro nem escuro, e nos dias em que estava de bom humor até passava-se por boa filha.

Distraíra-se, o relógio velho de sua casa já gritava as 6 horas da noite, e desacreditada de sua estupidez ela sobe rapidamente a escada estreita de sua casa até o quarto, e fechando a porta joga os sapatos como pode saltando diretamente para sua cama e debruçando-se para pegar seu mais novo mimo. Desde seu primeiro encontro ansiava pelo momento em que a pudesse abrir, e esse momento era chegado, seus olhos brilham como os de um avarento ao olhar uma nota de cem dólares. Repete o feito anterior, repassa a mão por sobre a tampa que se abre, e delicadamente a remove...O quarto estava iluminado apenas pela luz do abajur, e a luz da rua parecia ter-se apagado, quando de debaixo da cama uma mão surge e toma a Margareth.

_Ahhhhhhhhhhhhhhh!!!

_Calma, eu não vou machucá-la – dizia sorrindo o ser misterioso que a seqüestrara, ainda escondido na escuridão – Meu nome é Illithid, e só estou aqui para ajudá-la, então por favor, mantenha-se calma.

Ela levantava-se com leveza, parecia que finalmente seu regime havia dado resultados.

_Como eu saberei a que você vem? Nem sequer mostra o rosto... - fazia-se de forte a pequena, mas em verdade estava apavorada. - além do mais, não me lembro de ter me metido em algum perigo.

_Ora Margareth, você me chamou quando abriu a caixa.

_Como sabe meu nome? De certo é alguma daquelas brincadeiras dos meninos, ou... - sua voz calara-se ao vê-lo quando saia da escuridão, ele conseguia ser ainda mais bonito que Lovelace, não, era Lovelace, com uma voz mais grave, e um jeito estranho dado a vestimenta, e ao fato de estar com sua caixa na mão, mas antes que pudesse falar, ele a interrompeu.

_Bem vinda a Waterloo, minha querida, e prepare-se para delirar – um sorriso tão encantador surge de seus lábios que qualquer outra palavra a partir dali seria acatada por ela sem a menor dificuldade. Dois outros seres surgem, são Átila e Acácio, deviam ter outro nome naquele lugar também, mas estavam da mesma forma encantadores. A chamam para perto de si, calma e belamente ela caminha, uma das mãos de Illithid vem ao seu encontro e toca-lhe o pescoço, quando de repente toda aquela fantasia termina, e ela se vê deitada debaixo de sua cama, com o sol nascendo na janela do quarto. Precisava arrumar-se para o colégio, não se sabe se feliz ou triste por aquilo tudo, só queria chegar logo e contar sua história a Agatha.

Depois de engolir o café da manhã e despejar em sua amiga toda aquela história, Margareth se põe triste, além da descrença, Agatha tinha algo a mais para contar, mudaria-se antes que o baile acontecesse, uma situação inesperada no emprego de seu pai exigia que morasse em outro estado, só se veriam novamente nas férias.

_Eu sinto muito Mag, não há nada que eu possa fazer... - dizia tristemente de cabeça baixa.

_É uma promoção, não é?! Seu pai deve estar feliz, e por outro lado, uma vez por ano eu vou ter um lugar decente para ir, fora desse buraco. - Margareth sentia-se obrigada a fazê-la sorrir, era sua vez afinal.

_Mas...Mag, o que é essa marca no seu pescoço?

Com a indagação curiosa e de estranhamento de Agatha, ela percebe que as pessoas passavam por ela e riam, seria possível ter se machucado ao cair da cama?

_Deve ter sido na queda...

_Eu acho melhor você ficar longe daquela caixa, Mag, você nem viu a hora que dormiu, com esses sonhos todos os dias pode acabar se machucando de verdade.

As palavras passaram como vento a frente dela, nem sequer transitaram de um ouvido ao outro. Despediram-se emocionadamente, eram amigas desde o jardim de infância quando Agatha salvou Margareth de comprar “feijões mágicos”, mas essa já é uma outra história.

Apesar do que disse no início, era bem possível sentir dó com aquela situação. Mas algo a alegraria de certo, Waterloo, veria a Lovelace de um jeito diferente, lá ele parecia se importar com ela, e era incrível como isso a afetava. Um dia desses no colégio ela o percebera observando-a de longe, ou isso é um grande devaneio ou ela realmente havia lhe chamado atenção, aquele convite ainda estava vago, então tudo era possível.

No dia seguinte fizera o mesmo ritual, após às 6 da noite ela abrira a caixa, e algo diferente aconteceu, Illithid não estava mais lá, apenas o tipo que se parecia com Átila, que sem uma palavra sequer a chamou para perto.

_Ótimo, leve-me ao Lovelace, preciso falar com ele.

O sujeito apenas sorriu e segurando em sua mão a levou para dentro daquela escuridão de onde haviam saído da outra vez, e mais adiante estava Illithid, sentado num cavalo negro e com o mesmo sorriso estonteante.

_Preciso falar com você, sabe o baile eu... - novamente ele a interrompe.

_Sim, você irá ao baile, com uma condição...não lhe custará nada, mas soube de uma jóia de família...pérolas de sua avó que hoje são da sua mãe, um dia serão suas, não é?!

_Mas...

_Não seja infantil, Mag...elas logo pertencerão a você, não há porque esconde-las do mundo, ficarão perfeitas com seu vestido de baile.

E ao falar isso ela se vê acordada novamente, dessa vez o efeito parecia ter durado ainda menos, era madrugada e ela aproveita para saquear de sua mãe as pérolas que ela tanto gostava, no dia seguinte aconteceria o baile e não poderia se dar ao luxo de perder a melhor companhia de todas. Então caminha sorrateira apanhando-as na caixinha de música, por uma fração de segundo pensa ter sido pega, quando a bailarina cai ao chão, uma distração infeliz, mas sai de lá enquanto sua mãe ainda dormia.

Tudo corria como o esperado, e ainda que lhe faltasse Agatha, tinha a Lovelace, e tinha a Waterloo, os dois se faziam necessários no momento, sua mãe não concordava com a companhia de um garoto tão mais velho e de ações pouco conhecidas como ele, mas ela não quis escutar, e planeja seu encontro passo a passo, no entanto algo a surpreende, Lovelace passa a seu lado roçando em seu braço, e deixa um bilhete em sua mão, que dizia: “Vos convido minha princesa.” Não poderia ter sido mais perfeito, seu sorriso já cansado de noites mal dormidas torna-se resplandecente novamente.

Encontraria-se pela última vez com Illithid, dali em diante teria ao verdadeiro e único Lovelace. Fecha a porta do quarto afim de encontrá-lo, mas a caixa já não estava lá, apenas um bilhete sobre a escrivaninha:

“Não me contentei em esperá-la enquanto enamorava-se de outro rapaz, tomei uma decisão, vamos ao baile juntos. Dedicado a ti...Illithid ”

Ao lado do bilhete havia uma caixa, e apesar de diferente da outra, era igualmente antiga. Dentro havia um lindo vestido vermelho e as pérolas de sua avó. Era o dia do baile e também o de seu aniversário, pensou ser um presente de Lovelace, e que tudo não passava de uma grande brincadeira dele e de seus amigos no intuito de conquistá-la de maneira surpreendente. Mesmo depois de advertências de sua mãe ela resolve ir, era seu aniversário e pedira com aquele jeito de cachorro com fome, não havia como proibi-la. A única coisa que sua mãe lhe dera para que levasse fora um lírio, era perfeito, seu branco faria contraste ao vestido e conjunto com as pérolas que sua mãe não poderia sonhar que estavam com ela.

Saiu de casa animada, naquele dia seus olhos levavam um esverdeado diferente, muito mais intenso. A sua porta, Acácio a esperava de carro, não dizem uma palavra durante a viajem, apenas seguiam. Logo o entorno da estrada era dominada por grandes árvores, aparentemente antigas, de um marrom intenso, e cada vez mais denso. O carro pára e Átila abre a porta a tomando pela mão, vestia-se a caráter, estava elegante, até bonito. Ao sair ela repara ao redor, era um lugar pouco iluminado, em nada parecia com o salão do baile, exceto por seu par perfeito a espera-la logo a frente de costas para onde estava.

_Enfim nos encontramos com tempo, não é?! - dizia ele ao virar-se lentamente.

Margareth sorria se aproximando, mal reparara no enegrecer da noite que fazia-se perder cada vez mais a luminosidade daquele lugar, tinha seus olhos unicamente no motivo de estar ali.

_Não via a hora de te encontrar, foi difícil sair, mas estou aqui, com você... - estava sem jeito, praticamente nunca havia falado com ele e com garoto algum, pelo menos não tão de perto, temia estar sonhando.

_Estamos mais uma vez juntos minha querida... - seus olhos levantavam-se e em sua mão estava a caixa – quero que isso seja para sempre, precisamos que você venha comigo para Waterloo, agora!

O lírio cai de suas mãos, a tampa da caixa havia sumido, o céu era de um negro intenso, e Margareth entontece, perde-se em si, o rosto de Lovelace transfigura-se, e caída ao chão ela percebe os movimentos exasperados do céu como um furacão visto de dentro. Aos pés da árvore uma víbora emerge e uma raposa aproxima-se sinuosamente, seus olhos vêem um abutre pousar sobre a copa da árvore maior, era o ponto alto da magia de Waterloo, Illithid aproximava-se e pisaba sobre o lírio caído ao chão. Imagens distorcidas da vida de Moly passam por sua mente, seu verdadeiro nome era Ambika, e nada sabia-se após seus 15 anos por ter-se trancado em uma choupana, buscando por uma maneira de sair daquele mundo cruel onde todos eram profanos, e encontrar um mundo perfeito cuja vida fosse mais fácil e simples de viver, mas de alguma forma seu experimento deu errado, precisava ter o controle e isso Waterloo tomara para si. Até hoje mantinha-se presa enquanto seu mundo dos sonhos tornara-se o pesadelo de outras jovens como ela.


Margareth e seu vestido vermelho foram vistos novamente, o que de fato se perdera fora o lírio ofertado por sua mãe, as pérolas de seu pescoço enegreceram, e o verde de seus olhos fosquearam. Nossa irritantezinha mudara-se com a mãe e o irmão, e uma outra família habitava agora a pequena casa localizada entre dois edifícios menores na Rua dos Tortos.



“O futuro de um indivíduo é improvável, mas a história de cada um é a história de todos nós.” Christian Tale

Nenhum comentário:

Postar um comentário